sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Crítica: Millennium - Os homens que não amavam as mulheres


Sinopse: Mikael Blomkvist (Daniel Craig) é um jornalista econômico determinado a restaurar sua honra, depois de ser condenado na justiça por difamação. Contratado por um dos industriais mais ricos da Suécia, Henrik Vanger (Christopher Plummer), para investigar o desaparecimento de sua sobrinha Harriet (Moa Garpendal), há 36 anos, ele se muda para uma ilha remota na costa gelada da Suécia sem saber o que o aguarda. Ao mesmo tempo, Lisbeth Salander (Rooney Mara), hacker da Milton Security, é contratada para levantar a ficha e os antecedentes de Blomkvist, missão que será o ponto de partida para que ela se una a Mikael na investigação de quem matou Harriet. (Fonte: Cineclick)
 
Confesso que não levava muita fé nesse filme. Pelo trailler que passava na MTV (oi?) e pelos outdoors no metrô anunciando o best-seller internacional (que geralmente livros fraquinhos, como a saga Crepúsculo ou Marley e Eu). Por isso, foi uma feliz surpresa me deparar com um filme tão bom. Suspense de primeira, bela fotografia, personagens bem construídos, trama bem amarrada e uma bela edição. Mas não vou ficar comentando aspectos técnicos porque isso pode ser facilmente encontrado em qualquer site de cinema escrito por gente que manja muito mais do assunto do que eu. Vamos  a que interessa: a misogia onipresente retratada no filme.

O filme é o primeiro de uma trilogia baseada na série Millennium do escritor sueco Stieg Larsson. Em Portugal o título é Os Homens que Odeiam Mulheres, muito mais apropriado do que o eufemístico título dado no Brasil. Não amar não quer dizer odiar.  É isso que o filme traz: uma grande discussão sobre misoginia e violência contra a mulher que atravessa as sociedades ocidentais. Lá estão presentes o abuso de poder que acaba se transformando em estupro, um sem-número de mulheres anônimas mortas e violentadas ao longo dos anos e os abusos que ocorrem silenciosamente dentro dos lares de famílias das mais variadas classes sociais. Tudo isso mostrado de maneira forte, algumas vezes bem chocante.

 Cartaz da versão sueca. Vou correr pra baixar e você?


Há uma cena de estupro horrível - e nessa hora eu fiquei aliviada de não estar no cinema e poder acelerar a imagem, porque esse é o tipo de coisa que eu não gosto de ver. Ressalto a palavra "horrível" porque mesmo estupro sendo um ato repugnante, há diretores que conseguem transformar cenas de violência sexual em algo meio pornô. Não é o que acontece aqui. Ponto para o diretor.

Contudo, o mal-estar provocado pela película vai além das cenas violentas, que nem são tantas assim (outro ponto positivo: não descambar pra apelação). O que nos deixa perplexos é como esses agressores se portam em relação às suas vítimas. Há uma completa negação do outro. Eles não são os monstros que estamos acostumados a imaginar quando pensamos em estupradores. São homens lúcidos, bem inseridos na sociedade, com seus trabalhos, alguns casados e pais de família. Eles não violentam porque são doentes ou psicopatas. Eles simplesmente não reconhecem nas mulheres seres autônomos, donas de seus corpos e seus desejos. Eles não sentem remorso não porque são desprovidos de sentimentos, mas porque não acreditam que estão fazendo algo errado. As mensagens bíblicas à la Velho Testamento de que a mulher foi criada para servir ao homem aqui são levadas às últimas consequências - lembrando o quanto o cristianismo contribuiu para a formação de uma mentalidade que atribui às mulheres a fonte de todos os males e que levado ao limite culminou no genocídio de mulheres queimadas como bruxas na Idade Média pela Santa Inquisição.


Por último, destaque para a dupla de detetives formado pelo pelo atual James Bond, o delícia-delícia-assim-você-me-mata Daniel Craig e pela (até agora) desconhecida Rooney Mara. Ele é o contraponto digno aos vários misóginos convictos que desfilam pela tela ao longo da trama: um homem que ama - e respeita muito - as mulheres. Em nenhum momento ele incorpora o estereótipo do canastra sedutor, mesmo nas cenas em que aparece seminu - algo muito raro numa produção hollywoodiana, ainda mais se tratando de um ator hot até para inverno sueco. Mas o ponto alto mesmo é a hacker, Lisbeth. Nada nela é gratuito ou forçado. Nem o visual punk, nem as cenas de nudez, nem a personalidade misteriosa. Inteligente, forte e corajosa, ela é a chave para desvendar os mistérios da trama e não uma mera coadjuvante. Ela é a perfeita anti-heroína: recusa-se a aceitar o papel de vítima ou a ter uma postura passiva diante da vida, mostrando muito bem que uma garota pode - e deve - se defender e cuidar de si mesma.

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