Vicky não tinha vocação para o sofrimento e não tinha a
menor disposição para a guerra. Em uma relação o que apreciava era a
estabilidade e o compromisso. Cristina aceitava sofrimento como parte do amor. Ela
não tinha muita ideia do que esperava do amor, mas sabia ao menos o que não queria.
E Maria Elena acreditava que um amor só poderia ser romântico se fosse
incompleto.
Eu poderia citar mil razões pelas quais esse é um dos meus filmes
favoritos do Woody Allen, mas vou ficar em uma só. Vicky Cristina Barcelona é
um filme de amor. De como mulheres de diferentes idades, personalidades e
formações lidam com o amor, o desejo e as surpresas que a vida coloca em nosso
caminho.
Vicky lida com a renúncia de uma paixão arrebatadora em nome
da estabilidade do casamento e é confrontada pela mulher mais velha que
gostaria de ter vivido uma grande paixão, apesar de amar imensamente seu
marido. Ela o ama, mas não é apaixonada por ele há anos. É isso que é ser casada
em boa medida. É lidar com algo que os filmes românticos não contam: que
casamento é muito mais sobre companheirismo, afinidade, família e um projeto de
vida de vida em comum que paixão. Independente disso, a atração por outras
pessoas e as paixões continuam. O amor monogâmico não existe, é uma ficção que
torna a vida mais fácil. É a exceção, não a regra. Mas amar em liberdade supõe um
aprendizado contínuo e conflito. É mais fácil se resignar na ficção.
Então temos Cristina, que se vê como uma livre-pensadora,
uma mulher passional, intensa. Cristina não tem medo de se jogar nos braços do
desconhecido. Não arreda o pé nem quando surge Maria Elena, uma força da
natureza. Juan Antonio, Cristina e Maria Elena se tornam amantes e vivem por um
curto período de tempo um romance de experimentações de liberdade, até que
Cristina se dá conta que não é aquilo que ela procura. A minha teoria é que ela
não aguentou tanta liberdade.
Há algum tempo eu tenho a plena convicção de que amor é
possível em liberdade. Mas como ser
livre em um mundo que nos ensinou a amar a prisão? Como reagir à indústria
cultural que nos doutrinou desde muito cedo e continua a nos educar para achar
que amor, ciúme, e propriedade são a mesma coisa? Como ser feliz quando se ama alguém
que quer o Estado? Essa é a tarefa mais difícil da vida anarquista: lidar com o
Estado que há dentro dos outros, com o Estado que há dentro de si. É isso que
Cristina não consegue fazer.
Maria Elena percebe que é mais feliz quando o laço pesado do
amor romântico deixa de ser responsabilidade de apenas duas pessoas. Ela sabia
que Juan Antonio e ela se amavam, mas que faltava algo. Faltava outra pessoa. Mais
do que isso. Faltava liberdade. Porque manter um casamento não é algo fácil, acho
que tem que ser muito ingênuo pra acreditar que não. O problema é que na
maioria das vezes nos resignamos na infelicidade compartilhada ao invés de reinventar
modos de ser feliz.
Sem a liberdade o fim de todos os amores possíveis que
aparecem na tela são pessimistas. Juan Antonio e Maria Elena não conseguem
viver juntos. Vicky e sua amiga mais velha se resignam na ideia de que um
casamento exige a renúncia da paixão. E Cristina seja buscando algo que ela nem
sabe o que é, que ela nem sabe se existe.